Cada Tijolo é um Tijolo

Ele tinha acabado de ser repreendido pelo mestre de obras outra vez. Já era a quarta vez, somente naquele dia. Estavam todos irritados com o atraso, especialmente o garoto, que não conseguia assentar os tijolos de modo que ficassem nivelados ao restante do muro. Havia algo errado.

Todos na obra se sentiam da mesma forma, e havia um consenso de que o problema era o garoto, servente, que parecia incapaz de resolver as tarefas mais simples. Em uma última tentativa, o mestre fez com que ele fosse buscar mais tijolos e os trouxesse empilhados na carriola.

É evidente que, no meio do caminho, a carriola tombou quebrando pelo menos metade da carga. O rapaz foi xingado de nomes que eu nem conhecia e, depois, o mestre bradou que ele não receberia pelo dia trabalhado, finalmente o dispensando. Foi aí que eu decidi intervir.

Fui atrás do menino que aparentava ter seus 15 ou 16 anos. Quando o alcancei, vi que chorava copiosamente. Perguntei o que havia dado de errado na obra e ele me confessou que estava com muita coisa na cabeça e que precisava do dinheiro para ajudar a família.

Perguntei se o pai também estava desempregado e qual era a situação da mãe. Ele me disse que não tinha contato com eles e que “sua família” era a namorada que esperava um filho seu, morando nas ruas da capital alagoana. Tinham sido rejeitados pelas famílias quando apareceram grávidos.

Ela, porque tinha apenas 14 anos e fora tratada como uma irresponsável. Ele, porque tinha 15 anos e fora tratado como um aproveitador de meninas. Fiquei profundamente triste e me comprometi com uma carona. Comprei-lhe uma cesta básica no mercado e o deixei em uma praça.

Aquilo não saía da minha cabeça. Eu estava arrasado. Voltei em seguida à obra e relatei o caso ao mestre que ficou imediatamente constrangido por não ter percebido a angústia estampada nas ações daquele menino. Lembrei das minhas próprias dificuldades, logo que me casei, as circunstâncias eram outras, mas a angústia no coração daquele jovem me era muito familiar.

Decidimos, o mestre e eu, que não era assim que uma vida conjugal deveria começar. No dia seguinte cheguei à praça logo cedo e procurei pelo menino. Acabei o encontrando em um semáforo, perto dali, esmolando comida, dinheiro ou uma oportunidade de emprego.

Resgatei-o junto da sua namorada e voltamos à obra onde ele ajudou a levantar um pequeno cômodo que serviria de quarto para os dois até que as coisas se acertassem. Dali para frente o trabalho fluiu como nunca e em pouco tempo ele era o melhor dos meus pedreiros. O filho nasceu saudável, e eles puderam alugar uma casinha na periferia de Maceió.

O tempo passou, o menino cresceu e se profissionalizou. Se tornou um grande empreiteiro e acabou se mudando para o Rio de Janeiro atrás de novas oportunidades. Nunca mais nos vimos, mas sei que nenhum dos dois se esquece das lições que ensinamos e aprendemos juntos.