Tenho um grande amigo, também engenheiro, que é pai de um jovem brilhante. Hoje o rapaz já passa dos vinte anos, mas essa história que vou contar aconteceu quando ele era ainda uma criança. Estávamos, seu pai e eu, atinando sobre assuntos profissionais, na sala de estar da casa deles.
O garoto, que sempre foi muito ligado ao pai, brincava no tapete, bem perto da gente, empilhando pequenos blocos de madeira que pareciam tijolos. Seu pai todo orgulhoso logo fez questão de esnobar que o filho tinha um talento nato para a engenharia e que seguiria seus passos.
Senti uma pequena ponta de inveja, confesso, já que como pai recente, também queria que meus filhos se orgulhassem e seguissem minha profissão. Tenho certeza que ele percebeu minha inveja, disfarçada de admiração e, imediatamente perguntou ao filho: “Tá fazendo o que, filhão?”
“Tô construindo” – Disse o menino sem tirar os olhos da sua obra. O pai insistiu: “Você gosta de construção, né, filhão?” – O menino apenas acenou. “E o que você vai ser quando crescer” – “Pedreiro” – Dei muita risada e o pai, um tanto desconcertado, repreendeu o filho: “Pedreiro não, filhão, engenheiro”. Ele negou com a cabeça e, ainda, reafirmou: “Pedreiro”.
Hoje eu percebo o quanto éramos desinformados naquela época. Quando achei graça do comentário inocente da criança e, também, a consternação do pai, eram dois dos reflexos da sociedade hipócrita que vivíamos. Presos à noção de aceitação social pela profissão.
O menino se ver pedreiro era como uma punição ao pai que o queria em uma profissão, dita, de liderança e respeito. Como se fosse possível medir o caráter de uma pessoa, apenas, pela forma como ela escolheu ganhar dinheiro. Haja vista nossos políticos pelo Brasil afora.
Sei que não fazíamos, exatamente, por mal, eu nunca destratei um profissional, qualquer que fosse, porque eu julgava ter uma profissão acima da dele. Mas no fundo, inconscientemente, eu achava que merecia um tratamento mais elevado, apenas pelo meu diploma.
Então, quando vi uma matéria na internet, sobre a escola do Rio Grande do Sul que organizou uma festa para satirizar futuros profissionais que “não deram certo” (pedreiros, porteiros, faxineiras etc.), reconheci que esse conceito pertence à minha geração.
E a culpa, também é minha. Logo de uma geração que teve tantos pais pedreiros, agricultores e caminhoneiros, faxineiras e donas de casa. Pais que se mataram de trabalhar para que os filhos tivessem as melhores oportunidades. Somos todos um bando de mal-agradecidos.
Porque não entendemos nada de como funciona o mundo. Todo o esforço que só eu sei que tive para conquistar o meu diploma (e vocês o mesmo), deve refletir apenas no meu salário e não no meu caráter. Não sou melhor que ninguém. E nem vocês melhores que ninguém, jovens.
Quem um dia ousou me ensinar isso foi aquele garoto brilhante, que um dia desejou ser pedreiro e hoje, trabalha com o exército da salvação, ajudando a construir casas para a população carente de Porto Príncipe, no Haiti.